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Projeto editorial: Isabel Carvalho.
Coedição: Ana Carvalho
Ensaios de Isabel Cristina Pires, Carolina Caycedo, Isabel Carvalho, Randi Nygård, Ana Matilde Sousa, Coyote, Liv Strand e Catarina Rosendo.
Editorial project: Isabel Carvalho. Co-edition: Ana Carvalho
Essays by Isabel Cristina Pires, Carolina Caycedo, Isabel Carvalho, Randi Nygård, Ana Matilde Sousa, Coyote, Liv Strand e Catarina Rosendo.
EDITORIAL
Foi por curiosidade pela crítica que toma certas produções culturais à luz das condições climáticas que o tema “Climas” foi escolhido para este terceiro número da revista Leonorana. Não deixa de ser intrigante a atenção dada aos “climas”, como eixo para análise, fruto da sua ambivalência: por um lado, denota uma preocupação e é sensível às diferenças resultantes da diversidade climática; por outro, lado parece cair com rapidez em preconceitos. Se a abertura a elementos de análise a serem considerados pela crítica é salutar, a tendência para derivar em preconceitos associados aos “climas” deve ser a todo o custo evitada. A edificação do conceito de belo universal, resultante da estética, é uma presumida discussão dos climas frios, e no Sul não parece haver preocupação correspondente. É em torno desse conceito, entendido como universalizante, que as restantes produções culturais e artísticas são interpretadas: ora aproximando-se, ora fugindo, sendo-lhes atribuída a qualidade de relativamente belas ou, então, de serem completamente excluídas da discussão estética por processos de contínua desvalorização. É precisamente perante esta ambivalência que se achou pertinente retomar os “climas” como tema para fazer realçar diferenças, sem as circunscrever em preconceitos. Desafiaram-se os autores dos ensaios a um exercício metodológico de comparação, “comparativismo climático”, entre geografias e/ou tempos distintos. No momento de endereçar os convites, advertiram-se os autores de que “climas” não era propriamente o tema a ser tratado, mas um elemento de análise para averiguar de que modo determina e interfere na identificação de diferenças comparáveis entre si. A rápida sucessão de eventos e a impactante presença de manifestações públicas, dos últimos meses, que alertam para a urgência da atenção climática reforçou, inevitavelmente, a actualidade do tema. A metodologia proposta — “comparativismo climático” — já usada pela ciência desde há largos anos, enquanto suporte na comunicação de previsões que se denunciavam como demasiado abstractas para causarem algum efeito, assenta agora em factos facilmente constatáveis pela experiência directa e no decorrer do actual processo de consciencialização. O clima mudou e sabemos que se encontra em rápida mudança, porque o podemos comparar não só pelo que experienciamos no tempo da nossa existência, mas também porque temos registos de produções culturais de outros tempos que nos indicam como era o clima num “antes” não muito longínquo. Sabemos e não podemos ignorar que uma mudança radical está a acontecer. Afinal, o “comparativismo climático” – que é actualmente realizado em tantos outros domínios do conhecimento como ferramenta de demonstração de que estamos em vias de uma uniformidade galopante – visa precisamente expor ou advertir que é a diversidade que está em risco. O risco que corre a biodiversidade encontra paralelo na diversidade cultural. Não é por isso novidade que tantos trabalhos no domínio cultural e artístico estejam em sintonia com os movimentos cívicos globais para a consciencialização climática. Sobre os ensaios aqui publicados, apresentámo-los sucintamente: os dois textos de Isabel Cristina Pires, originalmente publicados no livro Universal, limitada (Caminho, 1986), inscrevem-se na ficção científica e descrevem cenários futuros definidos pela mudança climática; nos desenhos de Carolina Caycedo, os rios são os narradores da sua própria história e surgem no contexto de disputa internacional pelo domínio das suas águas; Randi Nygård, no seu ensaio, reflecte sobre uma antologia interdisciplinar (editada em conjunto com Karolin Tampere e publicada em 2017) com o título da lei norueguesa, “The Wild Living Marine Resources Belong to Society as a Whole”, e propõe a inclusão de abordagens poéticas para melhor representar os animais e as plantas em termos legais; Isabel Carvalho parte da nomeação de uma planta (o arbusto de Buganvília) para abordar o clima como metáfora, quer utilizada na Viagem em torno do Mundo de Bougainville, quer como instrumento de crítica em Suplemento à Viagem de Bougainville de Denis Diderot; Ana Matilde Sousa estabelece um paralelo entre oscilações climáticas e a recepção internacional da cultura japonesa; o colectivo Coyote apresenta imagens retiradas do apelo à acção pelos movimentos internacionais Youth for Climate; Liv Strand, endereçando-se a diferentes sistemas ecológicos, mostra como composições aparentemente distantes estão de facto interligadas, e Catarina Rosendo ficciona algumas memórias com as quais aborda o terror e o sublime enquanto modelos da relação disfuncional dos humanos com a natureza.
EDITORIAL
The selection of "Climates" as the theme for the third issue of Leonorana was simply out of curiosity for the critics who address certain cultural productions in the light of weather conditions. The focus on “climates” as axes for analysis - due to their ambivalence - is somehow intriguing: on the one hand, it expresses concern and awareness about climate changes; on the other hand, it seems to turn rapidly into bias. The open-mindedness to the elements of analysis under consideration by critics is perceived as beneficial, but the tendency to move towards “climate” biases should be avoided at all costs. The creation of the concept of universal beauty (as a result of aesthetics) is a presumed discussion in regions with colder climates; in the southern regions, there seems to be no corresponding concern. All the other cultural and artistic productions are interpreted according to said universalising concept: they're either associated with it or completely disconnected; in addition, they can be characterised as relatively beautiful or completely excluded from the aesthetic discussion (due to processes of continuous devaluation). In view of this ambivalence, addressing “climates” as a theme to underline differences - without limiting them to prejudice - was deemed fitting. The authors of the essays were challenged to a methodological exercise of comparison - “climate comparatism” - between different geographies and/or time periods. In the invitations addressed to the authors, they were informed that “climates” was not exactly the theme they should focus on, but rather an element of analysis to deduce how it determines and interferes with the identification of comparable differences. The quick succession of events and the impact of public demonstrations stressing the urgency of climate awareness have inevitably reinforced the topicality of this issue. The proposed methodology (i.e. “climate comparatism”) has been used in science for many years, namely as a method to communicate forecasts that were too abstract to have any effect; nowadays, it is based on facts that can be easily verified by direct experience and during the current process of awareness-raising. The climate has changed and we know it keeps changing rapidly: we can compare it not only by what we've experienced over the course of our existence, but also thanks to the records of past cultural productions - which tell us what the weather was like in the not so distant “past”. We know and cannot ignore that radical changes are taking place. After all, "climate comparatism" - which is now part of so many other fields of knowledge, namely as a tool that demonstrates that we are in the process of rampant uniformity - aims to expose or emphasise the fact that diversity is at risk. The hazards to biodiversity are parallel to cultural diversity. Unsurprisingly, many works in the cultural and artistic fields are in agreement with global civic movements for climate awareness-raising. We will now present the essays included in this issue: two science-fiction texts by Isabel Cristina Pires - originally published in the book Universal, limitada (Caminho, 1986) - that describe future scenarios defined by climate change; in Carolina Caycedo's drawings, the rivers are the narrators of their own history, emerging in the context of international disputes for the ownership of their waters; in her essay, Randi Nygård reflects on an interdisciplinary anthology (published in partnership with Karolin Tamper, in 2017) under the title of the Norwegian law "The Wild Living Marine Resources Belong to Society as a Whole", while suggesting the inclusion of poetic approaches to better represent animals and plants in legal terms; Isabel Carvalho starts by mentioning a plant (the bougainvillea) to address climate as a metaphor, whether used in Bougainville's expedition or as a critical tool in Denis Diderot's Supplément au voyage de Bougainville; Ana Matilde Sousa draws parallels between climate changes and the international reception of Japanese culture; the Coyote collective presents images taken from the international Youth for Climate movements; Liv Strand, while focusing on different ecological systems, shows how seemingly distant compositions are actually interconnected and Catarina Rosendo fictionalises some memories that she uses to address the terror and the sublime as models of the dysfunctional relationship between humans and nature.
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Coedição: Ana Carvalho
Ensaios de Isabel Cristina Pires, Carolina Caycedo, Isabel Carvalho, Randi Nygård, Ana Matilde Sousa, Coyote, Liv Strand e Catarina Rosendo.
Editorial project: Isabel Carvalho. Co-edition: Ana Carvalho
Essays by Isabel Cristina Pires, Carolina Caycedo, Isabel Carvalho, Randi Nygård, Ana Matilde Sousa, Coyote, Liv Strand e Catarina Rosendo.
EDITORIAL
Foi por curiosidade pela crítica que toma certas produções culturais à luz das condições climáticas que o tema “Climas” foi escolhido para este terceiro número da revista Leonorana. Não deixa de ser intrigante a atenção dada aos “climas”, como eixo para análise, fruto da sua ambivalência: por um lado, denota uma preocupação e é sensível às diferenças resultantes da diversidade climática; por outro, lado parece cair com rapidez em preconceitos. Se a abertura a elementos de análise a serem considerados pela crítica é salutar, a tendência para derivar em preconceitos associados aos “climas” deve ser a todo o custo evitada. A edificação do conceito de belo universal, resultante da estética, é uma presumida discussão dos climas frios, e no Sul não parece haver preocupação correspondente. É em torno desse conceito, entendido como universalizante, que as restantes produções culturais e artísticas são interpretadas: ora aproximando-se, ora fugindo, sendo-lhes atribuída a qualidade de relativamente belas ou, então, de serem completamente excluídas da discussão estética por processos de contínua desvalorização. É precisamente perante esta ambivalência que se achou pertinente retomar os “climas” como tema para fazer realçar diferenças, sem as circunscrever em preconceitos. Desafiaram-se os autores dos ensaios a um exercício metodológico de comparação, “comparativismo climático”, entre geografias e/ou tempos distintos. No momento de endereçar os convites, advertiram-se os autores de que “climas” não era propriamente o tema a ser tratado, mas um elemento de análise para averiguar de que modo determina e interfere na identificação de diferenças comparáveis entre si. A rápida sucessão de eventos e a impactante presença de manifestações públicas, dos últimos meses, que alertam para a urgência da atenção climática reforçou, inevitavelmente, a actualidade do tema. A metodologia proposta — “comparativismo climático” — já usada pela ciência desde há largos anos, enquanto suporte na comunicação de previsões que se denunciavam como demasiado abstractas para causarem algum efeito, assenta agora em factos facilmente constatáveis pela experiência directa e no decorrer do actual processo de consciencialização. O clima mudou e sabemos que se encontra em rápida mudança, porque o podemos comparar não só pelo que experienciamos no tempo da nossa existência, mas também porque temos registos de produções culturais de outros tempos que nos indicam como era o clima num “antes” não muito longínquo. Sabemos e não podemos ignorar que uma mudança radical está a acontecer. Afinal, o “comparativismo climático” – que é actualmente realizado em tantos outros domínios do conhecimento como ferramenta de demonstração de que estamos em vias de uma uniformidade galopante – visa precisamente expor ou advertir que é a diversidade que está em risco. O risco que corre a biodiversidade encontra paralelo na diversidade cultural. Não é por isso novidade que tantos trabalhos no domínio cultural e artístico estejam em sintonia com os movimentos cívicos globais para a consciencialização climática. Sobre os ensaios aqui publicados, apresentámo-los sucintamente: os dois textos de Isabel Cristina Pires, originalmente publicados no livro Universal, limitada (Caminho, 1986), inscrevem-se na ficção científica e descrevem cenários futuros definidos pela mudança climática; nos desenhos de Carolina Caycedo, os rios são os narradores da sua própria história e surgem no contexto de disputa internacional pelo domínio das suas águas; Randi Nygård, no seu ensaio, reflecte sobre uma antologia interdisciplinar (editada em conjunto com Karolin Tampere e publicada em 2017) com o título da lei norueguesa, “The Wild Living Marine Resources Belong to Society as a Whole”, e propõe a inclusão de abordagens poéticas para melhor representar os animais e as plantas em termos legais; Isabel Carvalho parte da nomeação de uma planta (o arbusto de Buganvília) para abordar o clima como metáfora, quer utilizada na Viagem em torno do Mundo de Bougainville, quer como instrumento de crítica em Suplemento à Viagem de Bougainville de Denis Diderot; Ana Matilde Sousa estabelece um paralelo entre oscilações climáticas e a recepção internacional da cultura japonesa; o colectivo Coyote apresenta imagens retiradas do apelo à acção pelos movimentos internacionais Youth for Climate; Liv Strand, endereçando-se a diferentes sistemas ecológicos, mostra como composições aparentemente distantes estão de facto interligadas, e Catarina Rosendo ficciona algumas memórias com as quais aborda o terror e o sublime enquanto modelos da relação disfuncional dos humanos com a natureza.
EDITORIAL
The selection of "Climates" as the theme for the third issue of Leonorana was simply out of curiosity for the critics who address certain cultural productions in the light of weather conditions. The focus on “climates” as axes for analysis - due to their ambivalence - is somehow intriguing: on the one hand, it expresses concern and awareness about climate changes; on the other hand, it seems to turn rapidly into bias. The open-mindedness to the elements of analysis under consideration by critics is perceived as beneficial, but the tendency to move towards “climate” biases should be avoided at all costs. The creation of the concept of universal beauty (as a result of aesthetics) is a presumed discussion in regions with colder climates; in the southern regions, there seems to be no corresponding concern. All the other cultural and artistic productions are interpreted according to said universalising concept: they're either associated with it or completely disconnected; in addition, they can be characterised as relatively beautiful or completely excluded from the aesthetic discussion (due to processes of continuous devaluation). In view of this ambivalence, addressing “climates” as a theme to underline differences - without limiting them to prejudice - was deemed fitting. The authors of the essays were challenged to a methodological exercise of comparison - “climate comparatism” - between different geographies and/or time periods. In the invitations addressed to the authors, they were informed that “climates” was not exactly the theme they should focus on, but rather an element of analysis to deduce how it determines and interferes with the identification of comparable differences. The quick succession of events and the impact of public demonstrations stressing the urgency of climate awareness have inevitably reinforced the topicality of this issue. The proposed methodology (i.e. “climate comparatism”) has been used in science for many years, namely as a method to communicate forecasts that were too abstract to have any effect; nowadays, it is based on facts that can be easily verified by direct experience and during the current process of awareness-raising. The climate has changed and we know it keeps changing rapidly: we can compare it not only by what we've experienced over the course of our existence, but also thanks to the records of past cultural productions - which tell us what the weather was like in the not so distant “past”. We know and cannot ignore that radical changes are taking place. After all, "climate comparatism" - which is now part of so many other fields of knowledge, namely as a tool that demonstrates that we are in the process of rampant uniformity - aims to expose or emphasise the fact that diversity is at risk. The hazards to biodiversity are parallel to cultural diversity. Unsurprisingly, many works in the cultural and artistic fields are in agreement with global civic movements for climate awareness-raising. We will now present the essays included in this issue: two science-fiction texts by Isabel Cristina Pires - originally published in the book Universal, limitada (Caminho, 1986) - that describe future scenarios defined by climate change; in Carolina Caycedo's drawings, the rivers are the narrators of their own history, emerging in the context of international disputes for the ownership of their waters; in her essay, Randi Nygård reflects on an interdisciplinary anthology (published in partnership with Karolin Tamper, in 2017) under the title of the Norwegian law "The Wild Living Marine Resources Belong to Society as a Whole", while suggesting the inclusion of poetic approaches to better represent animals and plants in legal terms; Isabel Carvalho starts by mentioning a plant (the bougainvillea) to address climate as a metaphor, whether used in Bougainville's expedition or as a critical tool in Denis Diderot's Supplément au voyage de Bougainville; Ana Matilde Sousa draws parallels between climate changes and the international reception of Japanese culture; the Coyote collective presents images taken from the international Youth for Climate movements; Liv Strand, while focusing on different ecological systems, shows how seemingly distant compositions are actually interconnected and Catarina Rosendo fictionalises some memories that she uses to address the terror and the sublime as models of the dysfunctional relationship between humans and nature.
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